Hoje acordei menos totalitária. Meus ímpetos anti-humanistas se suavizaram por alguns instantes e percebi que não se faz mais poesia como antigamente. Não vou correr o risco de dizer que o mundo ficou mais calejado (ou será eu?). O fato é que não vemos como antigamente poesias e letras que nos toquem. E falo isso sem correr o risco de ser saudosista.
Eu tenho lá meus poetinhas. Teve uma vez, que fiquei tão emocionada de ver um poeta de verdade que até comprei o livro dele. Coisas da UFF... Mas hoje, no auge das minhas reflexões românticas ultrapassadas, me lembrei de um poema que não poderia ser menos romântico. O que me diverte, afinal, é a ironia...
Amor e Medo
Casimiro de Abreu (Outubro de 1858)
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! Bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
" - Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! Meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu medo!...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
(...)
Ai! Se eu te visse no valor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco.
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...
Ai se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...
Ai se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
(...)
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio,
- Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qu'é da minha c'roa?...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento!...
Oh! Não me chamas coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço; tens amor, eu - medo!...